Dos Vícios e das Virtudes

 Dos Vícios e das Virtudes 

 


O estudo das virtudes e dos vícios é uma necessidade fundamental para o homem e maçom, na medida em que permite o desenvolvimento de sua consciência, de seu caráter e de seu “Eu interior”. De fato, o

GADU, em toda sua bondade e sabedoria, dotou o ser humano de particularidades muito especiais, que o difere dos demais seres vivos: espírito, inteligência e o livre-arbítrio. Um espírito que permite uma ligação com o Criador; uma inteligência que possibilita a execução das atividades diárias; um livre-arbítrio que lhe proporciona escolhas que lhe permitirão tanto o mergulho no vício a quanto a lapidação da Pedra Bruta. Mas a centelha do GADU habita em cada ser humano. É necessário apenas um mergulho dentro de si, para descortinar um horizonte harmonioso e belo.

As Definições

Entende-se por virtude a força moral, a prática do bem, a probidade, a retidão. São todos os hábitos constantes que levam o homem ao caminho do bem. A virtude, pois, é uma disposição habitual e firme para fazer o bem; é um hábito operativo bom. Assim, supõe-se no sujeito uma disposição consciente e eleita de praticar o bem.

Em sentido diametralmente oposto, o vício constitui-se em um hábito operativo mau. Uma imperfeição grave; um defeito. Uma disposição habitual para certo mal. Ação indecorosa, libertina. Indubitavelmente, o vício pressupõe um estado de espírito imerso na escuridão, sem perspectivas, decadente, sem vontade de evoluir, de progredir.


Os Vícios

Os vícios decorrem da prática contumaz de hábitos ruins, os quais contrapõem-se a condutas positivas, construtivas e, por conseguinte, saudáveis.


Nas lições de Platão, somente o bem é real; o mal é ilusório, sendo apenas a ausência do bem. Dessa forma, conforme entendimento platônico, o vício não tem vida própria; ele decorre da ausência da virtude. Segundo ele, a conduta humana deve ser pautada pela moderação. A falta ou o excesso devem ser evitados. Um sentimento ou uma conduta, sendo deficiente ou excessiva, torna-se um vício. Nessa perspectiva, os vícios são os extremos opostos cujo meio termo é a virtude. Já para Spinoza, o vício é a submissão às paixões. É deixar-se governar pelas causas externas. Não é mal, mas apenas fraqueza.

Os vícios (aqui igualados aos pecados) capitais são considerados a origem de todos os outros vícios. São eles a soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça.

A soberba caracteriza-se pela pretensão de superioridade sobre as demais pessoas, levando a manifestações ostensivas de arrogância. A soberba não é privilégio dos mais abastados ou privilegiados em qualquer aspecto. Os pobres também podem experimentar a soberba ao se considerarem especiais e buscando fingir serem o que não são. Um (tristemente conhecido) vício dele decorrente é a vaidade, tão maléfica à nossa instituição.

O pecado da avareza está ligado a uma desordenada ambição por bens materiais e dinheiro. Para o avarento, os bens materiais são mais importantes que a aceitação do próprio Deus. O indivíduo passa a idolatrar esses bens materiais invertendo a prevalência do espírito sobre a matéria. Isso leva a uma busca infindável por coisas efêmeras e insatisfatórias por natureza.

A luxúria consiste no apego aos prazeres carnais, corrupção de costumes, sexualidade extrema, lascívia e sensualidade. Esse pecado capital serve de porta de entrada para outras mazelas sociais: prostituição, aborto, pedofilia, dentre outros. É uma forma de rendição aos desejos e prazeres, neste sentido se ligando à gula.

O sentimento de raiva, ódio e rancor que, por vezes, povoa a mente e o espírito do homem, e se manifesta de forma repentina e descontrolada, denomina-se ira. A ira provoca na pessoa um desejo incontrolável de destruição do objeto provocador daquele estado de espírito. Esse pecado capital não atenta apenas contra os outros, mas pode voltar-se contra aquele que deixa o ódio plantar sementes em seu coração.

O pecado da gula decorre de um sentimento de frustração e ansiedade. Assim, o ser humano vê-se imerso em suas angústias e passa a desejar sempre mais do que já tem e precisa. Tal pecado reflete-se, principalmente, nos hábitos alimentares do homem, na medida em que aumenta excessivamente o consumo de alimentos além de suas reais necessidades, com os conhecidos malefícios à saude do corpo e da alma. 

A inveja é considerada pecado porque uma pessoa invejosa ignora suas próprias bênçãos e prioriza o status de outra pessoa no lugar do próprio crescimento espiritual. É o desejo exagerado por posses, status, habilidades e tudo que outra pessoa tem e consegue. O invejoso ignora tudo o que é e possui, para cobiçar o que é do próximo, muitas vezes de maneira destrutiva.

A preguiça, como um dos sete pecados capitais, caracteriza a pessoa que vive em estado de falta de capricho, de esmero, de empenho, em negligência, desleixo, morosidade, lentidão e moleza, de causa orgânica ou psíquica, que a leva à inatividade acentuada. Se conecta com um desejo de ter muito sem nada dar em troca, como se o agente fosse especial e mais merecedor de bençãos que seus irmãos.


Virtudes

O aperfeiçoamento moral do homem demanda a existencia de liberdade. Um homem livre de

preconceitos, de crenças e disposto a abrir-se aos ensinamentos e orientações que o direcionem para a prática do bem, da tolerância e da correção de atitudes. Nesse contexto, a busca pela prática das virtudes é essencial ao caminhar do homem que almeja viver em um mundo melhor.

Desde a antiguidade, as virtudes foram classificadas em Cardeais e Teologais como ilustram os degraus que levam ao Oriente e ao Trono de Salomão. As virtudes Cardeais são adquiridas pelo esforço; as Teologais como um Dom de Deus.

As virtudes cardeais são aquelas virtudes essenciais na qual todas as outras decorrem. São subdivididas em quatro: justiça, prudência, fortaleza e temperança.

A Justiça consiste na atribuição, na equidade, no considerar e respeitar o direito e valor que são devidos a alguém, ou a alguma coisa. O homem de bem deve ser exemplo vivo da justiça, procurando assim mexer com o íntimo das pessoas. Ele também deve ir de encontro às injustiças, não se calando nunca, sendo a voz viva da consciência daqueles que antes dele lutaram pelos mesmos ideais. Mas para isso tudo, o homem de bem deve essencialmente fazer justiça consigo mesmo. Deve se analisar, autoavaliar-se e aprender a se controlar. Deve ser justo com seu corpo, com sua mente, com seu coração, com sua família, com seu lar, amigos e sociedade.

A Prudência é aquela virtude que permite ao entendimento reflexionar sobre os meios conducentes a um fim racional. Dá a conhecer o Bem e o Mal; desenvolve as noções (relativas) de certo e errado, ensinando a escolher um e evitar e desmascarar o outro. É a personificação da inteligência e da razão. Ajuda o homem de bem a escolher o momento certo de agir e a melhor forma de fazê-lo.

A Fortaleza é a personificação da coragem e da disciplina. Coragem de ir contra aquilo que é injusto, mesmo que seja criticado por isso. Coragem de encarar a si próprio e assumir seus erros e culpas. Coragem de ser bom e humilde. Coragem de reconhecer a força do oponente e com ele aprender. É disciplina porque a disciplina liberta. O ser que disciplina sua mente e seu corpo dá um grande passo no caminho da Luz, pois não se sente mais preso aos valores e padrões sociais. É disciplinado o suficiente para não recorrer em erros “coletivos” e tem coragem de renunciar e ir de encontro àquilo que fere os seus princípios. Por essas razões a Fortaleza, ou Força, é a principal virtude na luta contra os sete vícios ou pecados capitais.

A Temperança é a personificação da moderação e do comedimento. Dá o equilíbrio a ação, ajudando o homem de bem a não exagerar nem fraquejar em suas posturas. Também ajuda o homem de bem a esperar o momento certo de agir.

Na mesma esteira de raciocínio, as virtudes teologais são produtos de um hábito, pois o homem não as adquire através de seu próprio esforço. Subdividem-se em três: a fé, a esperança e a caridade.


A Fé desenvolve a visão espiritual, pois “pela fé o homem vê espiritualmente Deus e as suas obras, crendo nas coisas invisíveis”. A fé do homem virtuoso não deve ser uma fé cega, baseada naquilo que lhe dizem. O homem virtuoso apoia sua fé em seus estudos e em suas experiências próprias, tendo assim não apenas uma fé, mas uma ciência da existência de uma força criadora.

A Esperança: Dá ao homem virtuoso a confiança necessária para enfrentar as provas duras da batalha. Dá a força misteriosa que transformava os verdadeiros homens virtuosos em homens inigualáveis de coração puro e mente sã, sempre enfrentando as situações com bom coração e sua esperança não é a vitória, porque esta se torna certa, mas sim a esperança de, desta forma, estar honrando seus pais, mestres, ancestrais e Deus.

A Caridade: O homem virtuoso, sem caridade, é cruel e trai os seus princípios e regras. A caridade sincera é, ao lado da partilha, a maior personificação do Amor. É a mãe de todas as virtudes como dizem os antigos, e diziam-no com razão: é a raiz de todas as virtudes, porque ela é a bondade suprema para consigo mesmo, para com os outros, para com o Ser Infinito.

Nesse contexto, é lídimo concluir parcialmente que a aquisição de firmeza de caráter é decorrente da prática reiterada de hábitos bons, ou seja, as virtudes. Esses hábitos permitirão ao homem livre e de bons costumes aprimorar-se moral e espiritualmente, pela busca incessante da felicidade geral e a paz universal, conduzindo-o, paulatinamente, das trevas à luz.


O caminhar para a luz

Como vimos, Platão nos diz que os vícios não existem, são só a ausência das virtudes. Então, como combater os vícios e os maus hábitos sem atacá-los diretamente? Como combater o "nada"?


No livro “O poder do hábito”, Charles Dunhigg nos orienta que o ciclo básico do hábito funciona da seguinte forma: há uma deixa, um gatilho, uma situação ou fato que desencadeia a ação. Aí se segue uma rotina, uma sequência de ações que são o (mau) hábito em si. Por fim, há sempre uma recompensa, algo que dá satisfação ao indivíduo e que justifica a aderência a estas rotinas perniciosas.

Assim um primeiro passo é meditar e identificar estes “gatilhos” no seu ciclo individual; remontando ao “nosce te Ipsun” (conhece a ti mesmo). Esta fase é dolorida e demanda autoconhecimento e principalmente humildade para reconhecer o que realmente nos move (e que muitas vezes não é nada nobre).

Estudos científicos mostram-nos que identificar os gatilhos e trabalhar sobre eles  facilita muito a efetiva mudança de comportamento, uma vez que evita o ciclo do vício antes de seu efetivo início.  Esta "pequena" mudança evita ter de resistir ao vício "pela força", o que geralmente levaria à ansiedade e reincidência. Notem que com isso a ciência comprovou a aplicação do princípio filosófico que citamos; ratificando que substituir o vício pela virtude é mais fácil que apenas combater o vício diretamente.

O sublime caminhar do vício para a virtude começa pela busca incessante da Verdade, por meio do combate à ignorância, vencendo as paixões, submetendo as vontades e consequentemente promovendo novos progressos para a humanidade.

A romã, um dos maiores símbolos maçônicos, deve ser visto como alusão ao caminhar do homem e, principalmente do maçom. A casca da raiz da romãzeira é tóxica, enterrada nas profundezas escuras da terra sem acesso à luz. 

Esta metáfora exemplifica a vida em um mundo essencialmente mau, repleto de vícios, cuja prática é simples e mais fácil do que o caminhar na virtude. Contudo, assim como qualquer árvore, a romã não sobreviverá se ficar apenas com sua raiz enterrada no solo, se nunca sair em busca da luz. Ela precisa, nesta busca, germinar, crescer e, assim, romper a camada de terra e atingir o mundo exterior passando a alimentar-se, desenvolver-se, até que enfim torna-se uma árvore frutífera e frondosa.



Conclusão

Os vícios e as virtudes são parte de nossa batalha diária para nos tornarmos um ser humano livre e de bons costumes. Esta disputa é intrínseca à condição humana e representada em várias formas de iconografia.

Desde sua criação o homem busca respostas de sua existência. No entanto, na maioria das vezes não percebe que as respostas às suas indagações estão muito próximas, dentro de si. O caminho para longe dos vícios passa pelo autoconhecimento e pela busca consciente e consistente de melhora pessoal.

Caso opte pelo caminho do vício, será um agente da desagregação social, do desrespeito à estrutura familiar, da falta de patriotismo e da banalização da violência. Por outro lado, sendo comedido em suas ações, estará cavando masmorras ao vício e levantando templos à virtude, como faz a romãzeira.

O caminho das trevas para a luz, depende, do empenho do indivíduo em reconectar-se com seu Criador. Todavia não é uma mudança que possa acontecer abruptamente, é um processo. A caminhada para a luz, assim como o desbastar da pedra, tem que ser paulatino, não apenas para haver a adaptação e consolidação das mudanças, mas também para evitarem-se erros por afobação.

O templo simbólico é construído dia a dia nos corações dos verdadeiros homens de bem, para servir de moradia ao GADU e de onde devem ser expulsas as paixões, as intransigências, os vícios e as mesquinharias. Roguemos, pois, ao GADU para que fortaleça a nossa razão para controlarmos nossa liberdade, a fim de que nossas paixões sejam vencidas e nossas vontades submetidas. Somente assim estaremos efetivamente desbastando e esquadrejando a pedra bruta.


Nota final:

O presente artigo foi feito ampliando e adaptando um trabalho original de um irmão de nome Vaz. Faz muito tempo que não o encontro  pois a vida e o GADU nos levaram em direções diferentes. Fica aqui minha gratidão por sua sabedoria, e o crédito pela sua contribuição original para este post. TFA!






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