Os pedreiros Operativos Egípcios
Recortado de: Square
Magazine
Seria a
antiga "vila dos artesãos" do Egito a primeira guilda de
pedreiros Operativos?
E o uso de
"marcas de identificação" foi um precursor das Marcas do Pedreiro dos
construtores da Catedral da Idade Média?
A História
'O Lugar da Verdade' – Set Maat – é a antiga
vila de operários egípcios, aninhada protetoramente no pé das montanhas Theban, na margem oeste da moderna Luxor.
Agora chamada de Deir el-Medina, a vila abrigava os artesãos (conhecidos
como Servos no Lugar da Verdade) que trabalharam exclusivamente nas tumbas
reais dos faraós durante a era do Novo Reino das 18ª a 20ª Dinastias (c.
1550-1080 a.C.), um período de quase 400 anos.
Poderia ser descrito como uma das mais
antigas comunidades artesanais conhecidas, ou "guilda".
Embora os restos de uma "Cidade dos
Trabalhadores" da 4ª Dinastia tenham sido descobertos em Heit al-Ghurab,
no local das pirâmides em Gizé, não há o mesmo volume de informações disponíveis
em comparação com o do assentamento muito mais recente de Deir el-Medina.
Mas o que é evidente, é que as habilidades
desses mestres pedreiros teriam continuado ao longo dos séculos, passadas de
pai para filho, mestre para aprendiz.
O que foi descoberto em Deir el-Medina ao
longo do século passado, nos deu uma visão única de como as guildas e lojas de
pedreiros posteriores podem ter evoluído a partir desta notável civilização.
Não há dúvidas sobre as habilidades sem
precedentes dos egípcios, sejam elas as ciências da matemática, geometria,
astronomia, ou a arte de seus escultores, pintores e escribas; nem que elas
viajaram para fora do Egito e por todo o mundo antes, e mesmo por séculos
depois, do fim de sua notável civilização.
Embora a maçonaria em si não tenha origem
direta dentro do Antigo Egito, podemos obter insights de Deir el-Medina sobre
como as muitas camadas de tradições práticas e rituais religiosos dos egípcios
podem ter chegado à maçonaria moderna através dos pedreiros-livres operativos, do
comércio renascentista de antiguidades egípcias, exploradores maçônicos que
embarcaram no 'Grande Tour' nos séculos XVIII e XIX, e, claro, as ordens espirituais quase
maçônicas cuja imaginação e conjectura não conheciam limites.
Vila dos Operários
Vista panorâmica (olhando
para o leste) da Vila do Operário em Deir el-Medina
O local em Deir el-Medina foi escavado pela
primeira vez a sério por Ernesto Schiaparelli entre 1905-1909. Mas foi o trabalho iniciado
em 1922 por Bernard Bruyère, e continuado por Jaroslav
Černý que nos deu a informação
mais abrangente até agora sobre a vida de plebeus no Antigo Egito.
Grandes quantidades (estimadas em cinco mil) de
peças de cerâmica ou óstraco de calcário foram descobertas dentro e ao redor da
aldeia; elas tinham sido usadas para notas legais, listas, recibos, prescrições,
feitiços mágicos e assim por diante.
cacos de cerâmica do monte de despojo em Deir
el-Medina
Foram encontradas peças maiores que mostram inscrições de amostras feitas por escribas, estudantes e aqueles que praticam sua arte antes de se comprometerem com as paredes do túmulo. Um exemplo divertido são as ilustrações satíricas de "gato e rato" mostrando animais em papéis invertidos, um desses desenhos animados retrata um gato como o servo de um rato.
Gato e Rato, ca. 1295-1075 B.C.E. Calcário, tinta
A vila era – e ainda é – um lugar de grande importância. Localizada na margem oeste do Nilo, a vila era naturalmente protegida pelas montanhas tebanas ao norte e pelo estreito vale em que se encontra.
Obstruindo uma vista do rio a leste está a
colina conhecida como Gurnet Murai, na qual estão situadas as tumbas dos Nobres
(funcionários). A oeste está o Vale das Rainhas, "o
Lugar da Beleza", e a leste e sudeste, os templos funerários dos faraós.
Não é uma área totalmente hospitaleira em que
foi construído o assentamento; o sol implacável do deserto reflete fora das
montanhas circundantes ao norte, a colina a leste cria uma barreira para qualquer
brisa fresca do Nilo, e assim no auge do verão deve ter sido insuportavelmente
quente.
Por outro lado, as noites de inverno no
deserto podem atingir temperaturas muito baixas, por isso teria sido um lugar
de extremos para habitar.
Al-Qurn (Ta Dehent) – que significa o
"chifre", "pico" ou "cume" é o ponto mais alto
das Colinas Theban a 420 metros acima do nível do mar, e tem vista para a vila
e a Necrópole Real. Lembrando uma pirâmide, e associação ao Deus Sol Re,
acredita-se que os antigos egípcios escolheram a área para enterrar seus reis
por esta razão.
A área é sagrada para a deusa cobra
Meretseger, a padroeira e protetora da Vila dos Trabalhadores; há um santuário
dedicado a ela perto do pico, junto a uma rocha em forma de cobra.
Al-Qurn - 'o pico'
A nordeste está o templo ptolomaico dedicado
a Hathor, construído no local
original de um santuário para a grande deusa, que durante a era cristã foi
usado como uma igreja para os Coptas, e o nome Deir el-Medina se traduz como “mosteiro
da cidade”.
Exterior do Templo Hathor
A parte mais antiga da vila data do reinado
de Tutmosis I (c. 1520-1492 a.C.), mas cresceu até o seu auge durante o Período Ramesside
da 19ª e 20ª Dinastia entre 1189 a.C. a 1077 a.C., quando tinha cerca de
sessenta e oito casas espalhadas por 5.600 m2.
No entanto, foi Amenhotep I, o pai de Tutmosis
I, que primeiro planejou o local e por esta razão, Amenhotep e sua mãe
Ahmose-Nefertari (SIC) foram adorados pelos habitantes ao longo de sua história.
Das escavações permanece um layout inteiro das áreas de convivência, além dos
túmulos dos artesãos, com santuários/capelas cortadas por rochas, algumas
resplandecentes com pirâmides.
A Tumba de Nakhtamon (TT335)
Devido à forma restrita do vale não havia
muito espaço para se mover entre as casas bem lotadas – o layout foi comparado
ao esqueleto de um peixe, com a espinha dorsal correndo pelo comprimento da
vila como uma rua principal e os blocos de casas subindo para a esquerda e para
a direita.
As ruas eram compactas, para dizer o mínimo,
e se você esticasse os dois braços você teria sido capaz de tocar as casas de
cada lado; sem dúvida teria sido literalmente uma comunidade muito unida.
Para neutralizar os extremos de temperatura no
vale do deserto, as casas dos aldeões foram construídas de tijolos de barro em
fundações de pedra. As paredes externas foram rebocadas com lama e branqueadas
para refletir o sol; janelas foram cortadas no alto das paredes para não
superaquecer as casas muito.
As casas eram pequenas compostas por quatro
ou cinco quartos: uma entrada, um quarto principal com um santuário de casa (ou
possivelmente uma cama de parto) em uma plataforma, dois quartos pequenos, uma
cozinha e um porão, e degraus que levavam ao terraço onde os habitantes, sem
dúvida, teriam dormido nas noites de verão.
Podemos facilmente imaginar que os artesãos
decoraram e modificaram suas casas com perfeição.
Um modelo de Casa
A religião, como era a norma no Antigo Egito,
era primordial – os trabalhadores adoravam confortavelmente suas divindades
pessoais ao lado dos deuses do Estado e, naturalmente, a maior importância foi
colocada sobre os princípios de maat – o princípio cósmico do equilíbrio, da
verdade, da justiça e da ordem.
Havia entre dezesseis e dezoito capelas
dedicadas a várias divindades, mas principalmente Meretseger ('Ela que Ama o Silêncio') a patronesse e
protetora dos artesãos de sua aldeia e de toda a Necrópole Tebana.
Ostracon representando Meretseger
Separada de quaisquer outros assentamentos, acredita-se que a vila tenha sido deliberadamente difícil de acessar devido à natureza vitalmente importante e secreta do trabalho realizado pelos trabalhadores. A construção e decoração dos túmulos reais não era apenas um trabalho altamente qualificado, mas era primordial a necessidade de sigilo e proteção.
O Lugar da Verdade foi protegido por uma
"força policial paramilitar de elite" conhecida como Medjay, que patrulhava
as vias montanhosas da aldeia até a necrópole real conhecida por nós como o
Vale dos Reis.
A entrada de e para o assentamento foi
rigorosamente monitorada, o que era necessário, não só para os trabalhadores,
mas também porque os serviços de água, alimentação e até lavanderia eram
prestados por trabalhadores de fora da aldeia; o poço mais próximo – ou o
próprio Nilo – era uma caminhada de trinta minutos, por isso as entregas
diárias de transportadoras externas eram vitais para os moradores.
Houve conjecturas (mais frequentemente em
obras fictícias) de que senhas e ou sinais de identificação podem ter sido
usados como uma forma de acesso legítimo de e para o assentamento.
No entanto, a partir de textos escritos em óstracas sabemos que havia "guardiões", "guardiões da
porta" e "Medjay da Tumba", que sem dúvida eram necessários não
apenas para proteger a aldeia dos intrusos, ou garantir que o lugar sagrado de
descanso do faraó fosse seguro, mas também para impedir que ladrões roubassem
as rações alimentares dos trabalhadores, suas valiosas ferramentas de cobre, e,
claro, qualquer ouro e metais preciosos.
Nisso podemos talvez ter uma noção do uso
posterior de 'cobridores' para proteger as lojas de bisbilhoteiros, ou impostores.
A comunidade também tinha sua própria corte
de direito, cujos oficiais eram compostos pelos anciãos da aldeia.
Do ponto de vista sociológico, os
trabalhadores seriam considerados de classe média; eram funcionários
assalariados do Estado e, como tal, recebiam salários/rações três vezes maiores
do que um trabalhador manual, como um trabalhador rural.
Eles viveram, e amaram, tanto quanto nós
agora; os casamentos eram principalmente monogâmicas, embora houvesse a
liberdade de divórcio, e/ou casar novamente; eram em grande parte alfabetizados,
incluindo as mulheres, muitas das quais estavam associadas a uma divindade
particular e ocupavam posições como “chantress” ou cantora da/do deus/deusa.
As mulheres da aldeia tinham funcionários do
governo para ajudar com tarefas domésticas, como a lavanderia e a moagem de
grãos, mas como 'Dona da Casa' elas eram responsáveis pelas importantes tarefas
de assar pão, preparar cerveja e cuidar das crianças.
Os Trabalhadores
Os habitantes da aldeia eram uma mistura de
egípcios, núbios (dos quais os Medjay foram formados) e alguns asiáticos. Estes
homens foram designados para uma das tarefas mais importantes em todo o Egito –
a construção e decoração do lugar de descanso eterno do rei.
O nome da aldeia – o Lugar da Verdade –
refletia essa importância, pois o conceito de maat (Verdade e Justiça) era
primordial para a sobrevivência não só do Egito, mas de todo o universo. Defender
essas leis morais sociais e espirituais não era apenas a tarefa do povo, mas a
função primordial do faraó – era um fluxo simbiótico de energia cósmica vital
entre os deuses, o governante e seu povo. Portanto, ser encarregado de criar
uma moradia ritualística para o rei descansar na eternidade por "milhões
de anos", não era apenas um trabalho, mas um privilégio religioso e
cívico.
Os grupos de homens designados esta tarefa monumental eram chamados de "a equipe da tumba", e a "equipe" foi dividida em dois "lados" – a "esquerda" e a "direita"(O Norte e o Sul? N do T); o lado direito aparentemente tinha precedência ao trabalhar.
O encarregado (um para cada "lado") foi
chamado de 'Capitão (da Tumba)' – esses termos geralmente náuticos foram
notados como tal e a etimologia das palavras egípcias para "gangue" e
"tripulação" foram usadas tanto em terra quanto em mar.
Em seu livro, Černý aborda o assunto em
detalhes meticulosos, e é repleto de uma fascinante (mas não exaustiva) lista
dos membros conhecidos da aldeia durante o Período Ramesside.
Havia também "dois adjunyos (da equipe)" e, muito importante, dois escribas administrativos, cada um designado
para um dos lados, "esquerda" e "direita".
Os escribas mantinham o controle rígido de
todas as ferramentas, tintas, óleos de lâmpada e pavios, e, claro, os salários
e rações de alimentos para cada membro da equipe.
Cada trabalhador seria qualificado em
trabalhos específicos, e essas habilidades e cargos eram, na maioria das vezes,
hereditários.
Os registros compilados por Černý ao longo de
50 anos de pesquisa em Deir-el Medina, indicam numerosos exemplos de pais passando
sua tradição para seus filhos, a maioria vivendo e trabalhando na aldeia até
sua morte.
Este arranjo hereditário provavelmente
adicionou à tão necessária segurança, e manteve fortes laços com a aldeia.
Além dos encarregados e adjuntos havia:
Escavadores – seu trabalho era o mais árduo, esculpindo
profundamente na montanha usando uma variedade de picaretas, cinzeis e outras
ferramentas de cobre. Seus despojos seriam então arrastados por trabalhadores,
empilhados no alto em cestos de palhetas.
Seu trabalho não era apenas cortar a rocha –
tinha que ser meticulosamente precisa e fortemente protegida, não apenas da
ameaça dos ladrões de túmulos, mas também das raras, mas massivamente
destrutivas enchentes que poderiam aparecer do nada e devastar as tumbas de
Wadi.
Pedreiros – que trabalhavam para suavizar as superfícies ásperas; formando portas e tetos, nichos e pilares. À medida que os pedreiros se moviam mais fundo nas entranhas da terra, criavam câmaras e corredores matematicamente precisos para o espaço final onde o rei seria colocado para descansar.
Gesseiros – uma vez que os detritos e poeira dos pedreiros estava limpo, os gesseiros poderiam fazer as paredes e tetos da tumba. Uma camada de base de cal seria aplicada e, em seguida, camadas de gesso queimado, fazendo três demãos gesso, que ainda é usado hoje. Esta fórmula era tão forte que não é surpresa que grande parte da arte requintada da tumba ainda esteja tão lindamente preservada.
Escribas / Desenhistas / Artistas – os gesseiros seguiram deixando as paredes lisas para os desenhistas/escribas/artistas (todos as quais eram descrições intercambiáveis) para desenharem suas grades em preparação para as decorações intrincadas.Pigmentos em tons terrosos ou semelhantes a joias seriam moídos e habilmente misturados com tintas, e preparados pós e folhas douradas.
Este foi o ponto em que a tumba vazia
provavelmente cairia em silêncio; os pedreiros com suas ferramentas e nuvens de
poeira se foram, e a obra de arte ritualmente precisa poderia ser concluída em
reverência.
Sem dúvida, orações e oferendas a Ptah e
Thoth seriam feitas não apenas pelos trabalhadores, pedindo às suas devidas
padroeiras que supervisionassem seu precioso trabalho, mas também por sacerdotes
visitantes, ansiosos por manter um olho atento sobre os artesãos para garantir
que todas as necessidades espirituais do faraó fossem atendidas no simbolismo
complicado e preciso que garantiria sua graciosa – e segura – passagem para o
submundo, unidos na eternidade dentro do
reino dos deuses.
óstraco Representando a Cabeça do
Rei
Carpinteiros, ceramistas e escultores – esses trabalhadores podem ter sido da aldeia ou trazidos das oficinas anexadas aos templos ou palácios mais distantes. Sua contribuição para a imensa tarefa de fornecer os túmulos dos faraós foi criar caixões e sarcófagos, estátuas, itens funerários e móveis.
O rei precisaria de todas as suas
necessidades e luxos terrestres para acompanhá-lo no outro mundo.
Medjay da Tumba - a força policial que patrulhava a aldeia, as
montanhas e o vale. Seus postos de vigia foram pontilhados ao longo do caminho
sinuoso da aldeia para os túmulos, com uma fortaleza principal em um ponto
médio, que também foi onde os trabalhadores montaram seu acampamento durante a
noite.
Servos da Equipe – aqueles que ajudariam em qualquer aspecto do
trabalho associado aos trabalhadores variados; além disso, aqueles que traziam
rações de comida cozida, cerveja e água diariamente da aldeia para os
trabalhadores secos e famintos.
Em vez de caminhar para a aldeia todos os
dias ao amanhecer e ao anoitecer, os homens tinham seu próprio assentamento
menor na montanha, juntamente com edifícios para armazenar suas ferramentas, o valioso óleo de lâmpada, rações de alimentos e bebidas.
Há registros de óstracos que atestam diversas
situações que ocorreram durante o dia de trabalho, desde os registros diários,
os registros e pedidos de novas ferramentas e provisões, até o registro de
visitas de esposas, noites gastas bebendo cerveja, e o ocasional relato de
irregularidades ou denúncias feitas contra um trabalhador ou servidor.
As equipes tinham uma rota de trabalho de
oito dias, dois dias de folga, e dias extras complementariam isso quando havia
festivais estaduais, dos quais haviam muitos (os egípcios adoravam festejar!)
Eles ficavam no assentamento, muitas vezes
durante toda a semana de trabalho, retornando para sua família na aldeia para
dois dias de descanso ou lazer, que muitas vezes era usado para trabalhar em
suas casas.
Ter um trabalho secundário não era inédito e
estes poderiam variar de fazer pequenos itens de móveis ou outros utensílios
domésticos, os escribas poderiam ler / escrever / transcrever cartas para
aqueles que não eram alfabetizados, e os artistas decoravam casas ou túmulos de
outros moradores – um sistema de troca era a norma no Egito e era a maneira
perfeita de negociar dos artesãos.
Caixa shabti e shabtis de membros da
tumba sennedjem
Este maravilhoso microcosmo social existiu
por pouco menos de 400 anos dentro do majestoso macrocosmo que era o Novo Reino
do Egito – uma era que produziu trinta e três governantes diferentes, todos eles tinham necessidade de ter seu lugar na Eternidade.
Gerações de trabalhadores testemunharam uma
miríade de celebrações e tumultos sociais e políticos; eles foram forçados a
sair de suas casas às vezes por inimigos invasores, e uma vez pelo faraó herege Akhenaton, quando ele mudou os trabalhadores para seu
novo assentamento em Amarna.
Em outros momentos durante o reinado de
Ramsés, houve agitação social, escassez de alimentos e pagamentos atrasados do
governo significando que greves dos trabalhadores não eram incomuns.
Por volta de 1170 a.C., ano 25 do reinado de
Ramsés III, parecia que a manutenção do maat não era uma prioridade nem para o
Estado, nem para alguns dos trabalhadores. Quando o sistema de pagamento dos
trabalhadores quebrou, não foi visto apenas como abandono do dever de um
empregador, foi considerado como traição de maat.
O que pode ter sido a primeira greve
registrada ocorreu quando os trabalhadores, exasperados pela falta de
suprimentos e salários, abandonaram o trabalho. Cartas para o vizir foram escritas,
os pedidos dos anciãos da aldeia foram dispensados e os homens se recusaram a
voltar ao trabalho até que suas rações de trigo fossem restauradas.
Esta não foi a última greve a ocorrer, mas a
normalidade voltou por um período de anos, até que as coisas ficaram claramente
azedas.
óstraco Representando Ramsés
Alguns dos trabalhadores decidiram trair suas obrigações (e seus princípios de maat) e em um caso bem documentado durante o turbulento reinado de Ramsés IX (ver o Papiro Amherst) um pedreiro na aldeia, chamado Amenpanufer, confessou ter roubado o túmulo de um rei.
Infelizmente, este não era um caso isolado, e
em 1100 a.C., tornou-se óbvio que o Lugar da Verdade não era mais o lugar para
se viver – a traição dos supostos guardiões da necrópole real era a morte de
uma comunidade já doente.
Esses problemas combinados com o governo
fraco incapaz de sustentar um pesadelo agora burocrático, e a ameaça de ataque
dos líbios, levaram os trabalhadores a deixar a aldeia, buscando refúgio dentro
da fortaleza murada no templo mortuário de Ramsés III em Medinet Habu.
A vila permaneceu deserta até que o mosteiro
copta foi estabelecido dentro do templo Hathor durante o século IV d.C. Depois
que os monges partiram, a aldeia caiu na obscuridade.
Pesquisa recente sobre 'Marcas de identificação dos Artesãos Deir el-Medina
Além dos fascinantes aspectos criativos,
sociais e práticos da vida dos trabalhadores, houve algumas descobertas
intrigantes recentes sobre as "marcas de identificação" dos trabalhadores
da necrópole.
As marcas de identificação usadas pelos
pedreiros de pedra são bem documentadas a partir da Idade Média, mas o uso de
"marcas" pelos criadores de túmulos, não apenas nos dão uma visão
fascinante da linguagem dos pictogramas usados pelas civilizações primitivas,
mas também é uma ferramenta valiosa para entender a provável origem do uso das
marcas dos pedreiros nos anos posteriores.
Uma das hipóteses comuns é que as marcas de
pedreiros foram usadas devido ao analfabetismo, de forma semelhante à forma
como aqueles que não conseguiam ler ou escrever deixariam sua marca com um 'X'
como sua assinatura.
Mas um projeto recente intitulado "Simbolizando a identidade. Marcas de Identidade e sua
Relação com a Escrita no Novo Reino Egito' , liderado pelo egiptólogo Ben Haring na
Universidade de Leiden, pesquisaram o uso de marcas de trabalhadores
encontradas em óstracas, grafites e nas tumbas dos trabalhadores.
Os pesquisadores descobriram evidências de
"marcas de identificação" não textuais usadas pelos artesãos
altamente alfabetizados do Novo Reino e investigaram seu uso não apenas em um
sentido linguístico, mas também no contexto social e administrativo.
Uma pesquisa realizada pela doutoranda Kyra
van der Moezel concluiu que as marcas de identidade continuaram a ser usadas
muito depois do uso mais comum da escrita sob a forma de hierático, ela
afirma que:
As pessoas muitas vezes
assumem que os sinais de identidade são "mais primitivos" do que a
linguagem escrita, e que a escrita vai lentamente, mas certamente assumir os
símbolos. No entanto, o que vemos é que a escrita e os símbolos continuam a
existir um ao lado do outro. Há algum intercâmbio entre os dois, mas símbolos
nunca foram depostos como meio de comunicação. Os símbolos continuam a ser
úteis porque você pode expressar muito mais em um único símbolo do que em uma
letra ou uma palavra.
Exemplos de Marcas de Identidade dos
Operários encontradas em óstraco no local da vila em Deir el-Medina:
óstraco calcário com Marcas de
Identidade dos Operários
Evidência de
'marcas de identidade' no Reino Antigo
a Era dos Construtores da Pirâmide (c.
2700-2200 a.C.)
No entanto, aprofundando-se ainda mais, há
referências ao uso de marcas de identidade que remontam à 4ª Dinastia do Antigo Reino. Maspero em sua História do Egito escreve
sobre os pedreiros de pedra que trabalharam na Grande Pirâmide de Khufu:
Suas anotações continuam:
Os operários frequentemente
desenhavam nas pedras os cartuchos do faraó sob cujo reinado tinham sido
tirados da pedreira, com a data exata de sua extração; os blocos inscritos da
pirâmide de Kheops carregam, entre outros, uma data do ano XVI.
Parece que o uso de marcas de identidade era
uma prática comum entre os pedreiros de pedra, e há algumas
evidências de que as marcas foram passadas de geração em geração.
Mais importante, parece que as marcas não
fazem parte de um "alfabeto", mas símbolos característicos
provavelmente criados pelo usuário.
Uso de marcas de identidade no Reino Médio (c. 2040-1782 a.C.)
O cinzel do pedreiro de pedra retratado
abaixo é do 11º reinado da
Dinastia de Mentuhotep II e está na coleção do Metropolitan Museum of Art em Nova York. O texto que acompanha a imagem
afirma que:
Este cinzel foi claramente
feito para uso e parece que ele realmente foi usado. Foi encontrado em uma
tumba que continha pelo menos seis enterros, mas nenhum objeto de data
comprovadamente pós-Mentuhotep II.
Havia até um pedaço de
linho marcado para a esposa de Mentuhotep II, a rainha Neferu.
A marca colocada no cinzel
foi previamente entendida para representar a pirâmide que o escavador Herbert
E. Winlock e outros pensavam ter originalmente existido acima da estrutura
sólida do templo de Mentuhotep II em Deir el-Bahri.
A existência desta pirâmide
foi posta em dúvida, no entanto, embora novas discussões estejam em andamento.
A marca também ocorre em
lençóis de linho da tumba dos "Soldados Mortos" (MMA 507 ver aqui
27.3.84-134), que tem sido mostrado como sendo da época de Senwosret I, e em
outro pedaço de linho encontrado em Lisht Sul perto da pirâmide daquele rei.
O signo pode, portanto, não
ser mais associado exclusivamente com o templo de Mentuhotep II em Deir
el-Bahri, mesmo que este cinzel em particular tenha sido feito e usado durante
o reinado desse rei.
A forma e o propósito da
marca permanecem enigmáticos.
A associação da marca no cinzel com as
encontradas em lençóis atribuídos à Rainha Neferu no MMA101, e também àqueles
dentro da Tumba MMA 507, é intrigante. Esta Tumba é conhecida como o túmulo dos
"Os Soldados Mortos" em Deir el-Bahari e datado da 12ª Dinastia.
Dentro da tumba havia uma vala comum de aproximadamente 59 soldados envoltos em
lençóis.
Conclusão
Embora não tenhamos provas concretas de que
qualquer influência direta e/ou tradições dos antigos artesãos egípcios de Deir
el-Medina filtrados em todo o mundo sejam incorporadas às comunidades ou
guildas dos pedreiros de pedra operativos, é fascinante ver as semelhanças nas
áreas social e administrativa da comunidade, e particularmente no que diz
respeito ao uso de suas marcas de identidade.
Como sempre, com qualquer pesquisa,
precisamos manter uma cabeça nivelada e lembrar que correlação não implica
causalidade por mais excitante que a evidência possa parecer... mas é divertido
explorar.
Em um artigo de acompanhamento, o uso das marcas de pedreiras será mais explorado, e uma comparação entre as antigas marcas egípcias e aquelas registradas a partir da Idade Média em diante.
Artigo por: Philippa Lee
Philippa Lee (escreve como Philippa Faulks) é autora de oito livros, editora e pesquisadora. Philippa foi iniciada na
Honorável Fraternidade dos Maçons Antigos (HFAF) em 2014. Seu especialidade é o
Egito antigo, maçonaria, religiões comparadas e história social. Ela tem vários
livros em andamento sobre o tema do Egito antigo e moderno.
Tradução: Paulo Maurício M. Magalhães