O Dilema do REAA
Aproveitando a deixa, reproduzo aqui um artigo do Irmão Kennyo Ismail autor do Livro Ordem Sobre o Caos que explana magistralmente sobre o REAA. Indico veementemente esta obra! Ao Irmão Kennyo o agradecimento e todo o crédito sobre o artigo abaixo.
Reproduzido de Freemason.pt
Breve Introdução Histórica
A estratégia teve
êxito e Pike abraçou o desafio de colaborar para com o desenvolvimento do Rito
Escocês, ainda visto por muitos maçons da época como um sistema recente e
estrangeiro, em contraste como o Rito de York, tido como antigo e
norte-americano. Não demorou para que Pike fosse incumbido de organizar os
rituais do Rito Escocês, em 1855, trabalho esse que ele realizou em tempo
considerado recorde: um pouco mais de 2 anos, tendo concluído em 1857 (HOYOS,
2009). O seu trabalho foi considerado excelente, porém polémico demais para ser
aprovado. Foi a ele solicitado que refizesse o estudo, adoptando uma postura
mais moderada. Mesmo não aprovado, este trabalho inicial garantiu a Pike a sua
investidura no 33° grau, em 1858, e, no ano seguinte, o mesmo foi eleito
Soberano Grande Comendador, em 1859.
A guerra civil
norte-americana interrompeu a evolução do seu trabalho de revisão, assim como a
mudança do Supremo Conselho para Washington, DC, em 1870. No ano seguinte, em
1871, Albert Pike publica o seu livro “Moral e Dogma”, com as suas lectures,
resultantes dos seus estudos sobre cada grau do Rito Escocês (COIL & BROWN,
1961). Mas apenas em 1884 a revisão foi oficialmente concluída e aprovada. A
implementação foi imediata e os rituais também foram concedidos a outros
Supremos Conselhos, que sofriam do mesmo problema inicial de rituais
incoerentes e inconsistentes.
O Problema e a Solução
Liturgicamente, os
novos rituais foram um sucesso, solucionando a questão da desorganização
ritualística. Porém, administrativamente o resultado não foi o esperado. A
liderança e renome de Albert Pike, assim como a mudança do Supremo Conselho
para a Capital do país, tinha colaborado para o crescimento do Rito Escocês,
mas ainda assim apresentando um crescimento tímido, distante da dimensão da
maçonaria simbólica.
É evidente que as
críticas foram muitas, alegando o abandono dos costumes maçónicos, a profanação
do conteúdo, a comercialização vazia dos graus, e o fim da meritocracia pela
assiduidade e dedicação. Porém, surgiu uma multidão de Mestres Maçons
interessados pelo “entretenimento maçónico”. Se em 1850, um pouco antes do
ingresso de Albert Pike, o Supremo Conselho contava apenas com um pouco mais de
1.000 adeptos, e em 1890, após a publicação dos rituais revisados por Albert
Pike, este número ultrapassou a marca de 10.000 adeptos, em 1930 esse número já
era superior a 500.000 membros (BULLOCK, 1996). As encenações do Rito Escocês
eram um verdadeiro sucesso. Mas o preço do sucesso era claro: enquanto a
escalada dos 29 graus, do 4° ao 32°, costumava demorar alguns anos para grupos
de algumas poucas dezenas de membros, passou a ser realizado em 3 a 4 dias para
grupos de várias centenas, algumas vezes superior a 1.000 membros (CLAWSON,
2007).
Porém, todo este
desenvolvimento não mudou o facto, até hoje alvo de críticas, de que os
iniciados, de protagonistas que participavam ativamente das provas dos rituais
e eram investidos com toques, sinais, palavras e com as jóias dos graus,
passaram a ser simples espectadores, passivos perante o processo dramático e
podados do processo iniciático. Tal aspecto explicita a razão pela qual o Rito
Escocês nos EUA passou a ser chamado por muitos intelectuais maçons de
“entretenimento maçónico”, e o seu formato teatral foi inicialmente acusado de
ser uma ameaça à moral e filosofia maçónicas (O’DONNEL, 1906; KNOW, 1907).
Por outro lado, não
faltaram defensores do modelo de encenação maçónica no Rito Escocês,
argumentando que a dramatização, quando bem feita, colabora para uma melhor
compreensão e relação emocional com as lições ensinadas (SARGENT, 1907).
Cientes disso, os Grandes Inspectores dos Vales criaram estruturas de teatros
profissionais, com diretores, auxiliares de palco, técnicos de som e iluminação
e dezenas de atores, todos maçons. Eles ensaiam exaustivamente e, em muitos dos
Vales, os atores principais recebem cuidados especiais, como se estivessem na
Broadway.
Conclusão
O modelo teatral adoptado pelo Supremo Conselho do Rito Escocês da Jurisdição Sul dos EUA tem sido praticado há mais de 100 anos. A sua redução no prazo de concessão dos graus acabou por influenciar as Grandes Lojas norte-americanas, que também passaram a conceder os três graus simbólicos em períodos de poucos dias. Sem entrar na discussão dos seus aspectos morais, facto é que tal formato colaborou para a concentração de quase 2/3 dos maçons do mundo em solo norte-americano.
Apesar deste
desenvolvimento excepcional, outros Supremos Conselhos espalhados pelo mundo
não optaram por adoptar tal estratégia, provavelmente pelas questões morais e
filosóficas em discussão. Para se ter uma melhor compreensão da diferença entre
estas duas realidades distintas, enquanto nos EUA um Mestre Maçom alcança o 32°
grau em menos de um mês e pagando uma taxa inferior a US$300,00; no Brasil, por
exemplo, um Mestre Maçom alcança o 32° grau após mais de quatro anos de
dedicação e um investimento superior a R$3.000,00.
Porém, é importante
realçar que aqueles que optaram pelo modelo ritualístico tradicional continuam
convivendo com o problema original: rituais complexos, algumas vezes
incoerentes, e que tiram o foco do conteúdo em nome da forma. Talvez a solução
norte-americana não seja ideal como uma solução substituta, mas sim como uma
solução complementar. As peças de teatro poderiam reforçar nos maçons os
conteúdos alegóricos de cunho moral e espiritual que costumam ficar em segundo
plano no modelo convencional. Seria algo logicamente mais trabalhoso, porém,
também mais eficiente no que tange a formação do maçom adepto do Rito Escocês
Antigo e Aceito.
Kennyo Ismail
Publicado originalmente na Revista Fraternitas in Praxis
Bibliografia
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BULLOCK,
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American Social Order, 1730-1840. Chapel Hill:
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William L. Lodge of the Double-Headed Eagle: Two Centuries of Scottish Rite
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